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FALALÁ | A tua história é única

  • Foto do escritor: Tunelga Almiro
    Tunelga Almiro
  • 2 de out. de 2019
  • 3 min de leitura

Atualizado: 18 de mai. de 2020

No dia em que me tornei uma Muthiana Orera




O sentimento de não pertencer a um lugar parte de dentro para fora, olhamos ao nosso redor e vemos pessoas a fazerem as coisas que fazemos de maneira diferente, às vezes com mesmos resultados, mas a cerimónia de fazer como sempre fizemos é excitante e cria conexão.


A sensação de não pertencer a um lugar tira-nos o chão e quebra o fio. Olhamos para tudo que está ao nosso redor como estranho. E começamos a boicotar tudo – os planos, as pessoas, as nossas ideias, a nós mesmos. Assim me senti quando cheguei à Nampula, uma não Muthiana Orera.


Afinal o que é ser uma Muthiana Orera?

Como faço para me tornar uma Muthiana?

Foram as perguntas que me fiz!


Apesar de Muthiana significar “mulher” em Macua, língua predominante no norte de Moçambique e Orera “bonita”, sinto na expressão algo muito intenso.


Amarrei um lenço e uma capulana a condizer e fui à festa das mulheres, a festa do dia 07 de abril que coloca a província de Nampula a tremer. Todas as mulheres saem à rua coloridas, marcham e exibem sua força e união. Decidi juntar-me e imitar os cânticos.


Só que me faltava algo. A pintura no rosto, a arte que se faz com o mussiro para se tornar numa verdadeira Muthiana Orera. Pintei e me senti plena!

Mas nem todos os dias são flores. Nem todos dias são dias de festa.

O dia seguinte já foi diferente.


Era dia de sol. Um sol que queima tudo, aquele sol, derretia o alcatrão da rua da Padaria Nampula. Vendedores ambulantes do mercado Namicopo, esses puros estrategas. Montavam bancas temporárias quando havia sol e assim arrefeciam os chinelos de borracha depois de cada hora de venda. Quando o sol se deitava desfaziam-nas.

Nesse dia, o motorista do “xapa” (minibus de transporte de passageiros), que além de saber conduzir, era obrigado a entender de música, afinal o passageiro tem a audição apurada, decidiu tocar a música da “Dama Ija”, uma artista Macua de renome nas zonas do Norte.

Todos comentavam enquanto cantavam, conseguia sentir a vibração, falavam uma língua que eu não percebia e eu tentava resolver o quebra-cabeças quando, de propósito, emprestavam algumas palavras do português.

Ainda não sou uma Muthiana.


A minha busca pela pertença continuava firme.

De comunidade em comunidade, pelos pratos de caracata com peixe seco a mão até às viagens de táxi Mota, não encontrei a Muthiana que procurava.


Decidi perguntar a uma verdadeira Muthiana: “Afinal o que é ser uma Muthiana Orera?”

Ressique olhou-me firme, com um sorriso no canto dos lábios e disse:

“Ser uma Muthiana Orera é ser mulher macua e sentir orgulho disso. É ser uma mulher firme, inteligente e determinada. É ter uma boa auto-estima e cuidar da pele com mussiro, se pintar com “owantxa” (lápis preto), amarrar capulana e lenço colorido. É ser uma mulher com um coração generoso e pronta a ajudar. É saber fazer uma boa catarata com papahe (prato típico de Nampula)…”

Enquanto a Ressique falava lindamente da realeza da mulher Macua, eu carregava a certeza de que jamais conseguiria ser uma Muthiana …. Ela até tentou animar-me, mas não funcionou.


Queria tanto pertencer aquele lugar.

Decidi ir a pé para casa, com o objectivo de diminuir as minhas frustrações. Oouvi uma voz, que parecia vir de longe. Parei. Olhei para esquerda para ouvir com mais atenção.

Era uma voz com as seguintes palavras:

“Muthiana Orera estou a vender crédito, queres de 10, 20 ou 50?”

Era um vendedor ambulante de recargas de celular.

Ele fez o meu dia…



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